Depois de passar pelo mais radical processo de privatização
da América Latina na década de 90, a Argentina recorreu à
estatização para contornar a crise de energia. O presidente
Néstor Kirchner anunciou ontem a criação da Enarsa (Energia
Argentina S.A.), nova estatal de petróleo e energia.
A empresa terá capital misto e ações na Bolsa de Valores para
financiar projetos, mas o Estado será o principal acionista,
com 53% das ações. O setor privado poderá adquirir até 35%
das cotas, e as províncias argentinas, 12%.
O anúncio da nova empresa foi o mais importante do Plano
Nacional de Energia, um conjunto de medidas divulgadas ontem
na Casa Rosada. Entre as novidades, está a construção de um
gasoduto de US$ 500 milhões para levar gás natural ao Norte
do país e a assinatura de novos contratos com as empresas
privatizadas para reativar os investimentos no setor.
Os novos contratos incluem acordo com a Petrobras para
ampliar a capacidade do gasoduto de San Martin que liga
Ushuaia (Sul do país) à capital. Uma licitação será aberta
para importar energia do Brasil entre junho e novembro até o
limite de 500 megawatts.
Para ajudar a financiar as obras, o governo aumentou o
imposto de exportação de petróleo (de 20% para 25%), de gás
(de 5% para 20%) e adotou o imposto, de 5%, para as vendas de
nafta.
O governo fez um discurso duro com relação ao capital privado
e culpou as empresas privatizadas pela crise. "Se a Argentina
tem hoje uma crise, é porque as empresas não geraram os
investimentos necessários", disse Kirchner. "Quem quiser
investir na Argentina pode ganhar muito dinheiro, mas terá
que trabalhar e deixar de especular", afirmou.
O ministro do Planejamento, Julio de Vido, criticou o que
chamou de "racionalidade dos anos 90, que iguala os lucros em
escala planetária, mas não os salários".
O consultor José Luís Espert qualificou a criação da estatal
de "ação ridícula". Segundo ele, a Enarsa é um retrocesso e o
governo não tem recursos para ter uma empresa de presença no
mercado, que fixe preços. Para ele, o governo Kirchner é
claramente estatista e não crê na gestão privada.
O especialista em América Latina da Universidade Católica da
Argentina Ignácio Labaqui não acredita que o governo vá
retomar a política de economia nacionalista. "A retórica é
dos anos 70, mas a prática é diferente. Caso contrário, ele
não faria acordos com o setor privado", disse.
Kirchner autorizou reajustes de gás que chegam a 36% na boca
do poço, o que já provocou aumento de 8% no gás utilizado
pelos cerca de 1,3 milhão de veículos que circulam a gás na
Argentina.