Um mês após o risco Argentina bater um recorde histórico e atingir 1.700 pontos básicos, o spread pago pelos títulos de dívida do Brasil volta a superar o do país vizinho, graças principalmente à crise de energia elétrica e à rápida deterioração do cenário político interno. A inversão de posições pode ser constatada na comparação dos spreads (taxa de risco) pagos pelos papéis de dívida mais líquidos e que melhor simbolizara o risco dos dois países – o brasileiro C-Bond e o argentino FRB.
O spread pago pelos títulos de dívida soberano é importante porque baliza o custo dos empréstimos das empresas brasileiras no exterior. Ontem, o C-Bond pagava spread de 867 pontos básicos acima da taxa paga pelos títulos do Tesouro dos Estados Unidos de duração semelhante, enquanto o FRB, título argentino mais líquido, oferecia retorno de 822 pontos básicos. O prêmio do C-Bond está acima do registrado entre abril e maio de 2000, auge da queda da bolsa eletrônica dos Estados Unidos, Nasdaq.
Tecnicamente, a comparação correta dos prêmio de risco dos dois países seria entre títulos com prazos de vencimento semelhante, caso do FRB e o brasileiro El, ambos com resgate em 2006. "Mas o C-Bond é o espelho do risco País da mesma forma que o FRB é da Argentina", afirma o diretor da Credit Lyonnais Asset Management, Fabio Faria.
Em 23 de abril passado, auge da preocupação dos investidores com a possibilidade de um calote argentino, o spread do FRB fechou em 1.676 pontos básicos, depois de hater em 1.700 pontos básicos durante o pregão. Naquele dia, o spread do C-Bond foi de 900 pontos básicos.
Descle então, o anúncio da troca de títulos de dívida da Argentina de curto prazo por papéis de prazo maior, que deve alcançar cerca de US$ 20 bilhões, melhorou a percepção de risco daquele país.
Além disso, a troca provocou uma valorização automática dos papéis inclusos na operação. "O papéis de prazo mais curto se valorizaram porque seus detentores não querem correr o risco de ficar com um papel sem liquidez se aceitarem participar do swap", diz o economista Walter Molano, da BCP Securities, especializada em América Latina.
Ao mesmo tempo, a crise de energia elétrica e a deterioração do ambiente político pioraram bastante as perspectivas para a economia do Brasil amedrentando o invesúdor externo. "O Brasil se descolou da Argentina e não vai se beneficiar da melhora de risco do vizinho", diz Carlos Kawall, economista-chefe do Citibank. A maioria dos analistas afirma não ter ainda a dimensão do impacto do racionamento na economia, mas sabe que será negativo.
E o prêmio de risco do C-Bond deve continuar subindo nos próximos meses. Os investidores estrangeiros, detentores dos papéis, preferem se desfazer dos títulos ou cobran caro para comprá-los devido à incerteza sobre o efeito que o racionamento terá para a economia. No curto prazo, o efeito inmediato será um crescimento econômico menor, seguido de redução no fluxo de investimento direto e déficit na conta de transações correntes.
Depois de alguns meses, a popularidade do presidente Fernando Henrique Cardoso deve cair e diminuir a possibilidade de que o governo faça seu sucessor. "Vão surgir dúvidas quanto à continuidade da política monetária e os investidores estrangeiros ficarão receosos. Isso vai dificultar que o premio do C-Bond recue", diz o gestor de carteira de fundos off-shore da Sul America Investimentos, Luis Eduardo Pinho.
O escândalo do Senado, que resultou na renúncia de dois pesos-pesados daquela Casa – José Roberto Arruda e Antonio Carlos Magalhães – trouxe ainda mais insegurança aos investidores.
"O Brasil estaria muito melhor se não tivesse ectodido a crise de energia", diz o economista-chefe do Lloyds TSB, Odaír Abatte. Para ele, até duas semanas atrás, a Argentina e o cenário externo, de modo geral, eram vistos como as principais variáveis de risco para o Brasil. "Agora, o Brasil está pagando pelos seus próprios problemas."
Por outro lado, com a redução na taxa de juros norte-americana, de 4,5% para 40% ao ano, teoricamente, o prêmio de risco pago pelo Brasil acima dos juros dos Estados Unidos também deveria recuar. "O racionamento afasta os compradores do papel e vai ser preciso sentir na prática os reflexos do racionamento. Com o Corte de juros americanos há espaço para que o spread do C-Bond caia", afirma Faria, do Credit Lyonnais.
Os analistas argentinos consideram que a taxa de risco de Brasil le de Argentina são indissociáveis. O economista José Luis Espert, da consultoria Espert e Associados, diz que o swap da dívida argentina "será feito com taxas impagáveis e que isso vai aumentar o risco Brasil, "já que a Argentina é um de seus principais socios comerciais". O analista do Banco Patagonia , Alejandro Porcaro, diz que será muito difícil baixar o risco argentino antes da conclusão da troca de dívida. Para ele, não fosse o swap, o spread pago pela Argentina estaria muito acima dos 1.000 pontos básicos.
A redução no "spread" do FRB não reflete necessariamente a diminuiçao do fisco argentino. De acordo com operadores, os bancos organizadores da troca da dívida podem ter sustentado o preso dos papéis para garantir a troca. "Não há garantia de que o premio continuará assim após a troca", afirma Pinho, da Sul America Investimentos.