Desde que a irresponsável política fiscal do governo de Néstor Kirchner (2003-2008) acelerou dramaticamente a taxa de inflação na Argentina de 3,7% em 2003 a 23% em 2007, começaram as intervenções do governo no sensível mercado do trigo. Ao ritmo da inflação dos últimos anos, aumentaram na Argentina a pobreza e a indigência, que já afeta mais de 30% da população, segundo nossas estimativas (ainda que o governo insista que a pobreza não supera 15%).
Para baixar os preços domésticos, o governo de Kirchner estabeleceu subsídios dirigidos aos moinhos que processam o trigo para o consumo interno. Os subsídios se financiavam com aumentos nos impostos às exportações agropecuárias, e os produtores argentinos de trigo se viram obrigados a obter permissão de exportação emitida pela Secretaria de Agricultura para poder vender ao resto do mundo.
Mas, em vez de estimular a exportação de trigo como fonte de ingressos para seus produtores e para o Estado, o critério da Secretaria de Agricultura para autorizar as exportações é muito curioso. Primeiro calcula a produção de trigo de cada ano, depois retira o provável consumo interno, e com a diferença determina qual será o máximo saldo exportável. Qualquer semelhança com a planificação soviética do século passado não é apenas casualidade.
Na Argentina, a intervenção do Estado no mercado chega ao absurdo de que quando escasseia o trigo, seja por más colheitas ou por excesso de demanda, seu preço baixa. Isso sucede porque quando o governo percebe que o trigo está mais caro, restringe as exportações para que ocorra um excedente para que baixem os preços. Assim, o grão dourado termina sobrando quando a demanda aumenta.
Logo da extraordinária colheita de 12 milhões de toneladas na campanha 2006-2007, a Argentina passou para 8,5 milhões de toneladas (30% menos) em 2007-2008. Dado que o consumo interno está estabilizado nas 5,5 milhões de toneladas, o saldo exportável chega a insignificantes 3 milhões de toneladas. Mas esses três milhões de toneladas também se reduzirão pela persistência das negativas políticas oficiais, a estiagem que afeta a Argentina e a caída de mais de 50% do preço do cereal em Chicago. E a demanda brasileira é de mais de cinco milhões de toneladas!
O governo argentino prefere que os produtores agropecuários percam exportações por mais de 1.600 milhões de dólares, mas segue fiel a ideia de exportar somente os saldos que não se consumam internamente. Enquanto isso sucede, o Brasil divulga suas intenções de subsidiar a produção local de trigo para aumentar sua produção doméstica até cobrir pelo menos 70% dos sete milhões de toneladas que consome anualmente. Alem disso, com a recessão mundial, o custo dos transportes caiu de maneira espetacular, assim que importar trigo da Rússia ou da Ucrânia já não implica para o Brasil pagar preços de ouro por um navio.
O comércio é como o tango: fazem falta dois bailarinos dispostos a bailar; no entanto, a Argentina decidiu guardar sua produção de alimentos como se estivesse por chegar o fim do mundo.